domingo, 22 de novembro de 2015

RIVI JÁ ERA!

E ontem, pós-lançamento do livro, eu e uma amiga fomos caminhando pela Paulista e resolvemos parar em algum lugar para continuar o papo. Um pouco mais pra frente estava o Riviera. Bons anos haviam se passado da época da facul, em que eu frequentava aquele que foi um grande polo etílico revolucionário. E como aqui não se faz revolução nenhuma, o lugar passou foi por uma reforma mesmo (eu que ainda não tinha ido para me decepcionar). Sim, choca. Nada a ver. Aquele pé direito alto maravilhoso, a coluna central, a parede de tijolos de vidro e a escadaria continuam, mas perdeu o calor aconchegante de suas simpáticas mesinhas, dos bartenders e chapeiros no balcão lateral, a urgência de uma blitz da vigilância sanitária nos banheiros, o rosto familiar dos garçons (não mais sóbrios que nós). Enfim... meu, que droga. Perdeu o clima. Tá, quem não conheceu o mesmo lugar que funcionava na década de 1970 não pode avaliar meu disappointment. Bom, já que tô aqui, então tá. De cara fomos avisadas que só o bar estava funcionando, o andar superior (onde fica o atual restaurante, e onde ficaram muitas das minhas lágrimas e gargalhadas) só abriria mais tarde. Tudo bem, pensei, sem me dar conta que no térreo ia encontrar a frieza daquele balcão-ameba rodeado de banquetas. Ai ai ai.. nem quis subir para conferir o resto. Nos sentamos e o solícito gato-bartender nos apresenta o cardápio. Óbvio, fui direto no “sanduíches” e pedi de boca cheia: - Vou querer um Royal! Crente que alguma coisa deveria ter resistido pela originalidade. De súbito, o simpático moço me traz pra realidade de que nada persiste com o passar do tempo: - Ah, sabia que a "senhora" ia fazer esse pedido, dando um largo sorriso. E logo começou com a história de “o gato subiu no telhado”: - Olha, ele tá um pouquiiiinho diferente, mas a “senhora” vai gostar! (Penso, caramba por que essa gente jovem cibernética insiste em formas de tratamento do milênio passado?). Eu: - Ahã... tá, vai. Pode ser. Bom, resumindo: - A senhora gostou, é parecido com o que costumava pedir? Eu, sendo gentilmente honesta: - Sinceramente? Em nada... Aliás, não só não é parecido como é copiado de outro lanche famoso do Ponto Chic. Então, a única coisa que permaneceu foi o nome: Royal. E assim mesmo, por que vocês não atualizam para... pour pour pour...Royal Chic?! Mas adorei o sanduíche (tava gostoso mesmo.) – arrematei com um sorriso simpático. Ele sorriu também e saiu de fino. 
Tudo bem, eu não sou mais a mesma e ainda me chamo Virginia, então dou um desconto. Mas aquela porta da entrada aberta escancaradamente a cada um que entra, fazendo uma corrente de ar para deixar tudo ainda mais polar, eu não vou perdoar não, nem o preço (caro, muito).

 virginia finzetto

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

ALEGORIA GRAMATICAL


Naquele dia, as palavras adquiriram outra expressão. Cansadas de seu significado, de ouvirem seu santo nome em vão, faltando partes, designando equívocos, elas promoveram uma revolução liderada pelos verbos, a classe que sempre se destacava pela ação. Nesse motim, eis que surge uma questão de ordem. No caso, de ordem existencial, encabeçada pelo pequeno, mas representativo, grupo dos pronomes. Entretanto, quem conseguia dar conta de resolver o problema do EU, que já passava da casa dos 7 bilhões de reivindicados? Mesmo com o apoio irrestrito do NÓS, parceiro único na primeira pessoa, agraciado com o título de “o senhor da síntese”, o EU - em si mesmo e a nível dele próprio - se sentia injustiçado, dividido, despersonalizado. Nesse momento, todas as palavras se olharam entre si, apavoradas. Uma desistência daquele porte colocaria tudo a perder. Lidar com as questões externas tendo um problemão de ordem interna como esse do tal de EU? 


Enfim, as reuniões por categoria promoveram um rebuliço no dicionário, um trança-trança, um mexe-mexe. Algumas páginas ficaram tão atoladas de palavras, que elas precisaram se ajustar, até se espremerem em corpo, eliminarem os espaçamentos entre linhas e entre letras. Enquanto outras páginas, totalmente vazias, arejadas, tornaram-se propícias a áreas de lazer, as prediletas de certos substantivos que conseguiam escapulir do rebu, como amor, planta, animal e criança, só alguns exemplos.


Porém, a despeito de toda e qualquer oração, havia a galera insubordinada, formada pelas palavras profanas que não estavam nem aí com o sentido sacro da conversa ou o rumo do movimento. Variáveis e volúveis. Não eram palavras de palavra! Eram rebeldes provenientes de todas as classes, e formavam um grupo à parte.
Entre brincadeiras e jogos de palavras, elas assumiam qualquer papel. E assim foi que, tomando a dupla central vazia do dicionário, resolveram promover um grande baile, uma dança de salão. Aos poucos, os pares foram se formando sem preconceito de classe, gênero ou compatibilidade fonética. Alguns casais eram muito afim entre si, outros nem tanto. Apenas atraídas pelo desprendimento da diversão, juntaram-se “comigo-ninguém-pode-pica-pau”, “vez-passada”, “havia-dado” “moça-fada”, “abunda-pita”, “escudo-humano” “Itaipu-tinha...  E as parelhas debochadas iam deslizando pelas folhas em branco, ao som de gritinhos, risos e aplausos. Um espetáculo singular nunca antes escrito.

Tanta baderna acabou chamando a atenção do plenário organizado na página vizinha, formado pela sisuda classe inflexível. Rapidamente, algumas representantes dessas invariáveis vieram tomar satisfação. Dominadas pela rigidez, atropelando-se em suas próprias palavras, elas partiram pra cima das que fugiam à regra. De repente, como iluminuras, as beiradas da dupla de folhas em branco foram sendo invadidas por dezenas delas querendo baixar normas e atos de exceção para implantar a Nova Ordem Mundial da gramática! 

Advérbios e preposições por todos os lados faziam um cordão de isolamento para conter as folionas rebeldes, enquanto as conjunções sempre atentas ao apelo das interjeições - Calma! Atenção! Socorro! - arriscavam um meio de campo, uma negociação entre o senão e o talvez.

O cerco ia se fechando quando rapidamente, pelo rodapé, sobe um exército de monossílabas em fila feito formigas cruzando as páginas, acompanhado por dó ré mi fá sol lá si, cordão musical pra puxar a marchinha de protesto. As tônicas cantavam em alvoroço enquanto as átonas batiam palmas para marcar o contratempo com palavras de ordem em tom de malícia. Fazendo jus ao tamanho, o recado foi curto e grosso: sol dó si mi ré lá! 

Eram as palavrinhas ‘dando’ apoio aos palavrões.

No final do embate, 12 apóstrofes, entre oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas, foram responsabilizadas pelo paroxismo e capturadas pelo caça-palavras.



Encontre, em qualquer sentido ou direção, cada uma das presas no quadro de letras ao lado e, se quiser, escreva o nome delas no campo dos comentários.   

 virginia finzetto

terça-feira, 10 de novembro de 2015

GUIA


Receita para transformar o analógico em analógico pré-digital:

1- deixe de anotar coisas em bilhetinhos e compre um caderno.

2- anote as coisas em ordem cronológica.

3- não use mais de um caderno para suas anotações.

4- pegue uma agenda e classifique-a não por ordem alfabética, mas por assunto (exemplo: família, trabalho, médicos, amigos, pepinos...).

5- pegue o caderno de anotações e passe para a agenda os telefones e contatos importantes classificando-os por assunto.

6- pronto, quando estiver à beira de um ataque de urgência, pegue a agenda e não o caderno de anotações aleatórias.

sinceramente

eu

... que ainda não consegue prescindir do papel, substituindo-o por tablets, smartphones e coisas do gênero.

Caramba, ainda me invetaram o tal do itoken que vem por sms, quando o do chaveirinho era tão prático...

virginia finzetto

UM DIA MALUCO

Não vou sofrer por este mundo que eu mesma inventei, penso aflita. Está acontecendo, ele saiu do paralelo, caiu, tomou forma e se acha no direito de me atormentar, como qualquer filho déspota mimado, preso em seu nível gugudadá. Eu continuo a caminhar pela quadra do ginásio, e a torcida organizada, em arquibancadas opostas, grita agora em uníssono. Todos torcem para que eu continue a história. Mas dentro de mim as palavras estão em algazarra, formando rodinhas, fazendo fofoca, motins, tem até um plano secreto para me depor. E continuo a desfilar, e minha cara não é a das melhores. 

virginia finzetto

sábado, 7 de novembro de 2015

DIA DE FAXINA

Hoje meu horóscopo disse que o período está propício para limpar o porão, reciclar, jogar fora os entulhos, espanar o pó.. e eu penso: "mas isso já fiz tantas vezes...". Desta vez eu farei diferente, descerei ao inferninho e irei me divertir com meus amigos mais íntimos. Vou fazer as pazes, ficar com as mãos sujas, como antigamente, quando a infância fornecia anticorpos naturais, dar muita risada, gritar, pular, brincar de pique-esconde, brincar, brincar, brincar... até que tudo fique limpo de tanta felicidade. 

virginia finzetto

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

QUINTA DE LUA NOVA


- Aberlado..., eu sei que você ainda está aí. Que coisa feia! Batucar na porta do meu armário me vendo transar com o Celso?
Silêncio.
- ...tô perdendo minha paciência. Não vai dar sinal? Não de vida, né Abelardo, que já faz dois anos que cê desencarnou. Vai, xispa daí. Vá buscar o caminho da luz, o caminho da roça, o caminho da putaquetepariu! Fora daquiii!
      E aos berros, ela corria insana pela casa de imensas janelas de vidro. A cena se repetiu tantas vezes que o showroom virou distração da vizinhança desocupada, praticante da bisbilhotice. Em pouco tempo, fofocas sobre a ‘viúva histérica do 125’ circulavam por toda a redondeza.
Ninguém mais, apenas Júnia podia vê-lo, mas só quando ‘ele’queria. Quando não, ela apenas pressentia o ambiente de ar carregado, o hálito frio em sua nuca e o riso safado na cara do falecido.
Aquilo não podia ser só uma alma penada. Era um implante maligno em seu cérebro, uma obsessão, um desastre do cosmos, um encosto. Carma e punição.
Sobre a mesinha de cabeceira de seu quarto havia um altar bonitinho. Apesar do entulho de pedras, sal grosso, 54 tipos de incenso, patuás, velas e santinhos, havia um capricho que mostrava uma intenção.
Ela tinha tentado de tudo. Em casa, trouxe de pai de santo pós-graduado na Nigéria aos caça-fantasmas, confundidos pela empregada com a equipe de desratização do telhado. Ninguém, nada mesmo, conseguia dar um jeito de mostrar o reto caminho àquele habitante do limbo.
A casa, em si, não atrapalhava tanto a paz de Júnia, pois quando ausente de figuras masculinas o falecido praticamente sumia. O problema era quando encontrava alguém especial, um amor. Ah, isso não podia.
Foram várias as tentativas de namorar ali em seu quarto, todas sem sucesso. Abelardo aparecia de repente e ela o via, ora sentado no sofá do canto, ora assistindo tudo do alto, pendurado no lustre ou sobre a cabeceira da cama, até que chegou esse dia, quando ele resolveu batucar em ritmo de axé. Quem trepa numa cadência dessas? Para ela, foi a gota d´água. Seu poder de abstração chegou ao limite.
Toca o telefone.
- E aí, foi lá?
- Sim, comprei tudo, mas tô numa dúvida. O cara é muito estranho. Perguntei se não havia outra saída.
- E ele?
- Disse: “são 300 reais”, já abrindo a porta.
- DEMORÔ! O cara é bom. Faz que é batata! - respondeu a amiga, desligando.
Pior que o ‘trabalho’ tinha de ser naquela mesma noite, de lua nova. Não bastava o escuro da praça da encruzilhada, sequer havia o brilho das estrelas ou do luar. Melhor, pensou Júnia, isso vai ajudar a me esconder.
Mas se o mago era bom mesmo, ela nunca soube, pois, como era de costume, o que se ouviu naquela madrugada foi a já conhecida gritaria.
- Tirem-me daquiii! - ela berrava com toda a força de seus pulmões.
No alto da seringueira, traída por uma pisada em falso, ela estava ali, presa apenas pela capa de pomba-gira que ameaçava rasgar. Embaixo, toda a vizinhança. ‘Não é a histérica do 125?’, perguntava uma delas com um sapato vermelho de bico na mão, enquanto Júnia era iluminada pela lanterna da equipe de Resgate do 132.
Num galho, Júnia girava, vestida de corpete vermelho de cinta-liga rendado, um pé descalço, segurando um maço de cigarros Gonzaga e uma garrafa de Moët & Chandon. No outro, estava Aberlardo, o fantasma que só ela enxergava. 

virginia finzetto