terça-feira, 31 de outubro de 2017

A REFORMA DO ANO

de janeiro a fevereiro
abriu vaga no puteiro

em março
perdeu o cabaço

em abril
farejou o covil
abriu as pernas

maio junho julho
abriu mão da carteira
de trabalho

em agosto
assumiu o posto
promovido
a capitão do mato

setembro outubro
novembro dezembro
amputou cada membro

no réveillon
matou seu cérebro


virginia finzetto

poema sujeito a reformas...

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

TÓXICO

rastros que vi no céu
não são de incontinência de anjo
nem de pó de pirlimpimpim,
aceno de pomba da paz
ou de avião supersônico

eles hipnotizam humanos
que seguem para o matadouro
é rebanho infectado

toca gado... tô cagado!

virginia finzetto

TERMOS

tem sido assim, eu meio tímida tentando afagar as palavras enquanto elas fogem de mim. reunidas em pequenos grupos, elas me espreitam de longe. vejo o risinho sarcástico de algumas, as lágrimas que molham a serifa de outras. o disfarce das mais queridas misturando fontes e tamanhos para dificultar minha escolha. o que mais dói é enxergar a sentença formada pelas minhas prediletas, acenando recadinhos de sarcasmo e de deboche. apenas as de baixo calão ficam aos montes, insinuando-se em desfile, dando-se de graça, aproveitando a ocasião em que são usadas em massa por quem as colocou nessa situação. olho para elas com desânimo. saber que até essa fama é efêmera, pois a cada dia elas estão mais presas à cadeia banal de significados. torço para que o alfabeto se organize e faça uma revolução. 

virginia finzetto

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

DESEMBESTA!

ilusão enjoada
esse sobe e desce
inferno e céu
do movimento que oscila
sem sair do lugar

aprecio mais
o desembestar
de um unicórnio sem destino
do que o carrossel
a girar

virginia finzetto

terça-feira, 24 de outubro de 2017

ADEUS, AMIGA!



Madrid me mata! As unhas mostram o desapego, estou desfusionada e deixei para trás um pedaço do passado a limpo. Eu só não podia imaginar que a Amparo* já não estaria mais comigo nesse resgate. Daquela verdade que sabemos, todos, que um dia alcançará cada um, mas estamos distraídos com tantas falsas pressas e vaidades. O esmalte sai, as lembranças mostram o véu das quimeras, mas a morte é impávida e não está nem aí para o seu lamento. Urgência continua sendo pra mim a palavra mais atualizada.









virginia finzetto

* em memória de Amparo Garcia Paredes, amiga inesquecível. que um dia possamos nos encontrar em outra calle, de luz, pois que a alma é perene e reconhece suas afinidades. eterna gratidão, cariño.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

A VIDA É UM CURTA

quando eu vim ao mundo

ele era uma grande teta

virou um grande quintal

se transformou em um grande hospício

hoje está mais para hospital

temo que vire um grande cemitério

virginia finzetto

domingo, 1 de outubro de 2017

EU TENHO TOC

desconheço se há um catálogo de todas as manias registradas no mundo e um recorde sobre determinada incidência, tanto quanto não tenho notícias se alguém mais é viciado em achar dinheiro no chão. pois se um dia precisarem de um caso, sou uma fonte luminosa para testemunhar que, como um ímã, eu atraio qualquer tipo de moeda, sei exatamente quando e onde achei cada uma e ainda faço relatório. mas ontem foi surpreendente eu ter ganho 3 euros e 10 centavos de euro com as bênçãos do Roberto Piva.  

virginia finzetto

ENTRE DAMIEL E POULAIN

fui dormir mais tarde, fora do horário rotineiro e acordei atrasada. não havia energia elétrica e minha cachorra com incontinência urinária já dava os sinais de aperto gotejando por todo o apartamento, enquanto eu procurava uma caixa de fósforos para esquentar a água do café. confiro a bateria do celular e o 3G me permitiu o primeiro contato: sinto muito, não irei à reunião. em 20 minutos tudo muda e eu já estava me decidindo pelo contrário. desci 14 andares pelas escadas, corri até o ponto, peguei o primeiro ônibus, desci e corri para pegar o metrô, no destino certo desci e andei 8 quarteirões e eis que chego exatamente (quando digo isso, significa nenhum minuto a menos ou a mais) no horário combinado. no metrô dei 2 reais para uma idosa que entrou no vagão pedindo ajuda para comer, mas declinei o apelo do moço que entrou na estação seguinte para vender Mentos, olhei com ternura até às lágrimas o jovem rapaz sentado adormecido com a boca aberta, ajudei um senhor cego a tomar o Ônibus Terminal Amaral Gurgel e me comovi de novo com a senhora pálida desabafando em palavras seu desconforto de saúde e sua consulta médica. a reunião durou uma hora e foi um sucesso. não somos do mundo. estamos no mundo. talvez durante um tempo que seja para entender apenas uma palavra, uma frase ou uma vida inteira. quer saber? a vida é muito intensa quando não estamos distraídos.

virginia finzetto