terça-feira, 10 de novembro de 2015

GUIA


Receita para transformar o analógico em analógico pré-digital:

1- deixe de anotar coisas em bilhetinhos e compre um caderno.

2- anote as coisas em ordem cronológica.

3- não use mais de um caderno para suas anotações.

4- pegue uma agenda e classifique-a não por ordem alfabética, mas por assunto (exemplo: família, trabalho, médicos, amigos, pepinos...).

5- pegue o caderno de anotações e passe para a agenda os telefones e contatos importantes classificando-os por assunto.

6- pronto, quando estiver à beira de um ataque de urgência, pegue a agenda e não o caderno de anotações aleatórias.

sinceramente

eu

... que ainda não consegue prescindir do papel, substituindo-o por tablets, smartphones e coisas do gênero.

Caramba, ainda me invetaram o tal do itoken que vem por sms, quando o do chaveirinho era tão prático...

virginia finzetto

UM DIA MALUCO

Não vou sofrer por este mundo que eu mesma inventei, penso aflita. Está acontecendo, ele saiu do paralelo, caiu, tomou forma e se acha no direito de me atormentar, como qualquer filho déspota mimado, preso em seu nível gugudadá. Eu continuo a caminhar pela quadra do ginásio, e a torcida organizada, em arquibancadas opostas, grita agora em uníssono. Todos torcem para que eu continue a história. Mas dentro de mim as palavras estão em algazarra, formando rodinhas, fazendo fofoca, motins, tem até um plano secreto para me depor. E continuo a desfilar, e minha cara não é a das melhores. 

virginia finzetto

sábado, 7 de novembro de 2015

DIA DE FAXINA

Hoje meu horóscopo disse que o período está propício para limpar o porão, reciclar, jogar fora os entulhos, espanar o pó.. e eu penso: "mas isso já fiz tantas vezes...". Desta vez eu farei diferente, descerei ao inferninho e irei me divertir com meus amigos mais íntimos. Vou fazer as pazes, ficar com as mãos sujas, como antigamente, quando a infância fornecia anticorpos naturais, dar muita risada, gritar, pular, brincar de pique-esconde, brincar, brincar, brincar... até que tudo fique limpo de tanta felicidade. 

virginia finzetto

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

QUINTA DE LUA NOVA


- Aberlado..., eu sei que você ainda está aí. Que coisa feia! Batucar na porta do meu armário me vendo transar com o Celso?
Silêncio.
- ...tô perdendo minha paciência. Não vai dar sinal? Não de vida, né Abelardo, que já faz dois anos que cê desencarnou. Vai, xispa daí. Vá buscar o caminho da luz, o caminho da roça, o caminho da putaquetepariu! Fora daquiii!
      E aos berros, ela corria insana pela casa de imensas janelas de vidro. A cena se repetiu tantas vezes que o showroom virou distração da vizinhança desocupada, praticante da bisbilhotice. Em pouco tempo, fofocas sobre a ‘viúva histérica do 125’ circulavam por toda a redondeza.
Ninguém mais, apenas Júnia podia vê-lo, mas só quando ‘ele’queria. Quando não, ela apenas pressentia o ambiente de ar carregado, o hálito frio em sua nuca e o riso safado na cara do falecido.
Aquilo não podia ser só uma alma penada. Era um implante maligno em seu cérebro, uma obsessão, um desastre do cosmos, um encosto. Carma e punição.
Sobre a mesinha de cabeceira de seu quarto havia um altar bonitinho. Apesar do entulho de pedras, sal grosso, 54 tipos de incenso, patuás, velas e santinhos, havia um capricho que mostrava uma intenção.
Ela tinha tentado de tudo. Em casa, trouxe de pai de santo pós-graduado na Nigéria aos caça-fantasmas, confundidos pela empregada com a equipe de desratização do telhado. Ninguém, nada mesmo, conseguia dar um jeito de mostrar o reto caminho àquele habitante do limbo.
A casa, em si, não atrapalhava tanto a paz de Júnia, pois quando ausente de figuras masculinas o falecido praticamente sumia. O problema era quando encontrava alguém especial, um amor. Ah, isso não podia.
Foram várias as tentativas de namorar ali em seu quarto, todas sem sucesso. Abelardo aparecia de repente e ela o via, ora sentado no sofá do canto, ora assistindo tudo do alto, pendurado no lustre ou sobre a cabeceira da cama, até que chegou esse dia, quando ele resolveu batucar em ritmo de axé. Quem trepa numa cadência dessas? Para ela, foi a gota d´água. Seu poder de abstração chegou ao limite.
Toca o telefone.
- E aí, foi lá?
- Sim, comprei tudo, mas tô numa dúvida. O cara é muito estranho. Perguntei se não havia outra saída.
- E ele?
- Disse: “são 300 reais”, já abrindo a porta.
- DEMORÔ! O cara é bom. Faz que é batata! - respondeu a amiga, desligando.
Pior que o ‘trabalho’ tinha de ser naquela mesma noite, de lua nova. Não bastava o escuro da praça da encruzilhada, sequer havia o brilho das estrelas ou do luar. Melhor, pensou Júnia, isso vai ajudar a me esconder.
Mas se o mago era bom mesmo, ela nunca soube, pois, como era de costume, o que se ouviu naquela madrugada foi a já conhecida gritaria.
- Tirem-me daquiii! - ela berrava com toda a força de seus pulmões.
No alto da seringueira, traída por uma pisada em falso, ela estava ali, presa apenas pela capa de pomba-gira que ameaçava rasgar. Embaixo, toda a vizinhança. ‘Não é a histérica do 125?’, perguntava uma delas com um sapato vermelho de bico na mão, enquanto Júnia era iluminada pela lanterna da equipe de Resgate do 132.
Num galho, Júnia girava, vestida de corpete vermelho de cinta-liga rendado, um pé descalço, segurando um maço de cigarros Gonzaga e uma garrafa de Moët & Chandon. No outro, estava Aberlardo, o fantasma que só ela enxergava. 

virginia finzetto