domingo, 21 de março de 2021

VESTIDO DE NOIVA

quando eu me casar,

vou reservar o domingo

e a paulista inteirinha pra mim

três mil metros de tule esticado

segurado pela multidão

quero ver quem pode comigo

enquanto dou o sim no paraíso

meu rabo dá na consolação

virginia finzetto

quarta-feira, 17 de março de 2021

O CONTRABANDO

Em 1996, quando estive em Oaxaca, no México, eu não pude evitar uma paixão à primeira vista pelo chuchu peludo que vi no mercado local. O legume era pequeno, delicado e revestido por uma penugem, um cabelinho verde macio. Não tive dúvidas. Trouxe um exemplar deles comigo e o plantei no sítio.
Ele vingou... e se vingou.
Como uma praga, o bicho se espalhou e deu mais do que chuchu na serra. Só que, para minha surpresa, aqui em solo brasileiro os frutos nasceram bem maiores e com uma crosta revestida de espinhos duros como os de ouriços do mar, sem exagero. Impossível apanhá-los sem vestir luvas de raspa.
Levei vários exemplares para distribuir para os amigos na redação. Sim, fui xingada, muito...
Tá, antes que alguém me culpe ou denuncie, eu confesso que hoje não faria uma barbaridade dessas.
Senti na pele ferida das mãos, espetada várias vezes pelas hastes criminosas, e na alma, a verdadeira maldição de Montezuma!

virginia fInzetto

quinta-feira, 4 de março de 2021

FALTAS

e agora me vem essa falta de fome
quando vejo cadáveres de bichos se mexendo no réchaud
e sinto o amargo entre a minha língua e o meu palato
do fel tóxico de suas lembranças antes do assassinato

e agora me vem essa falta de sono
quando meu corpo cansado não acompanha mais minhas ideias
e os pensamentos misturados com os números e as dores
de muitos cadáveres humanos que me mantêm acordada

e agora me vem essa falta de vontade de sexo
quando antes tudo era falta de fome e falta de sono
mas sustentadas pelos afagos dos dedos, da língua, do tato
em minha vagina retesada do meu corpo entregue

agora o que sobra é uma vida de faltas
 
virginia finzetto