LÍNGUAS

resolvi aprender italiano, no duolingo. de uma simples vontade de honrar meus antepassados, o treco passou a ser uma disputa pra ganhar mais cristais e XPs e me classificar no ranking. com o tempo, para melhorar minha performance adicionei outros idiomas: comecei a intercalar espanhol, alemão, inglês, pulando de uma janela pra outra, trilhando estratégias para a melhor classificação. de meia hora de treino por dia, passei a virar noites. quando estava próxima de conquistar mais uma medalha, alguém resolveu me tirar do posto. aí apelei pro esperanto. foi quando eu comecei a enrolar a língua e a misturar tudo: io non hablo coffee and milk mi parolas la germanan... completamente enlouquecida, cedi aos apelos e fiz uma assinatura paga, para obter mais bônus. já não respeitava mais minhas horas de sono e mal trabalhava no escritório. qualquer intervalo era motivo pra eu ficar ali clicando , só pra não perder meu lugar na disputa. muitas vezes, meu chefe me pegou com o celular conectado na tomada e eu agachada pronunciando frases sem sentido. até que nesta semana fui demitida. agora estou desempregada, sem dinheiro para pagar o aplicativo e, pior, não sei falar bem porra de idioma nenhum. fim.

virginia finzetto

DELÍCIAS

ai, doçura 

você merengue
e eu suspiro...

virginia finzetto

MEMÓRIA DO UNIVERSO

 videntes são algoritmos humanos

virginia finzetto

GUERRA DO AMOR

feromônio é uma arma química

que mata de paixão

virginia finzetto 

DESERTO DE SONORA

hoje estou um misto de cigarra e chapulín
a estridular sob o sol do deserto de Sonora...
ao meu lado Don Juan me convence
que estou no quintal da casa da minha infância,
enquanto ri da minha cara chapada de peiote.
o silêncio é algo que escorre das nossas têmporas.
se nenhum de nós abriu a boca, 

como eu sei que ele sabe?

virginia finzetto

ADIAR

só è bom procrastinar à beira do precipício, driblando calafrios diante da paisagem

virginia finzetto

ANJO CAÍDO

impulso, sapeca anjo caído
num ímpeto acende o fósforo
mergulha na paixão
olha de longe, arrependido
incêndio que crepita insulto
fogo que cospe fagulha
faz anos, um bandido
que desobedece à razão

virginia finzetto

ENCONTRO

A cerco faz tempo, mas não há clima, ela não abre espaço. Vou com cuidado, tento contato, mas ela se fecha, escapa de lado. Finjo que esqueço, observo seus passos e ela se esconde. Sem aviso, nos encontramos. Vamos encarar? Eu e a dor, que só sabe doer em mim. Melhor esquecer do que enfrentar. A verdade é que nós duas, cúmplices na cegueira, um dia teremos fim.

virginia finzetto

IA

uma IA jamais vai sentir o gozo de uma superação 

virginia finzetto

EGO FURIOSO

tem dias que meu ego fica tão chato que é capaz de comprar briga só por causa de querer usar uma palavra e não um certo sinônimo que alguém achou melhor. para me acalmar eu penso no meu baço, quantas células estão ali e eu não sei o nome de nenhuma, todas silenciosamente fazendo um lindo trabalho de equipe, que eu, euzinha, não saberia fazer ou dar ordens. e se isso não me basta, eu passo pro fígado, depois pros rins, coração, pulmão... parabenizando cada uma. todas em uníssono, sem discutir qual é a melhor definição praquilo ou isso, e eu penso: não esquente a cabeça por mixaria, Vi, aquela pessoa é uma idiota, besta quadrada, ela que vá se foder e ponto final... 😀

virginia finzetto

[de 2016]

MILAN SEMPRE UMA REFERÊNCIA

quando alguém que eu curto não me curte, sinto-me a boneca inflável fazendo sexo com cara de paisagem. sempre me lembro do Insustentável Leveza do Ser, da cara do Tomas transando com a Sabina olhando pro relógio... e eu deveria já ter me convencido de que a lactose me causa cólicas intestinais, mas abrir mão, de vez em quando, de chuchar o pão com manteiga mergulhado no café com leite é tão cruel. e hoje eu estou naqueles dias de tentar entender o motivo das minhas carências. nem tudo é mimimi, pode ser só dó de uma ré incon sol lá vel...

virginia finzetto

[de 2018]

MULHERES & HOMENS

ultimamente há mais mulheres do que homens em minha vida. meu mundo profissional, social e familiar está repleto da figura feminina. gosto de conversar com mulheres. às vezes até acho que falamos a mesma língua.  estava pensando sobre isso agora e me dei conta de como me faz falta me relacionar também com os homens. faz tempo que não troco figurinhas com eles. sinto falta, de verdade. homem é muito legal. 

virginia finzetto (texto de 2017)

HÁ PAIXÃO

eu acho a paixão uma das artimanhas mais almejadas de sobrevivência. morro a cada ano.

virginia finzetto

A DESPEDIDA NO PLANETÁRIO

Em 1971 eu fazia o primeiro ano do colégio no Zuleika de Barros, na Pompeia. A namorada do Serginho dos Mutantes estudava na minha classe. Desde muito cedo eu curtia música e adorava rock e já acompanhava os Mutantes desde a época dos festivais da Record. Depois, segui a Rita mais de perto, quando ela deixou a banda e fez carreira com a Tutti Frutti e outras parcerias. Mas meu encontro pessoal com minha ídola foi na guinada, quando ela se firmou com seu parceiro e amor Roberto de Carvalho e se enveredou pela música pop. Nessa época, eu já era jornalista e participei desta Edição especial da Rock Espetacular, uma revista que vendeu muito em banca. Foi nessa ocasião que visitei a casa onde ela nasceu, na Vila Mariana, descobri seus tesouros guardados no porão e, lógico, a conheci pessoalmente, quando veio ao Estúdio para aprovar o projeto e quando me entregou as cartas que recebia do seu fã clube para eu fazer uma das seções: "Cuide bem dos meus queridinhos". Ganhei desenho de disco-voador e também ingressos vip para o show Lança Perfume, que marcaria sua nova fase de sucessos. Linda, sempre, simpática e revolucionária, sempre. Hoje a nave mãe envia uma equipe especial para te receber, querida. O planetário naquele imenso quintal de sua infância não poderia ser o melhor lugar para você se despedir de seus fãs! Vá em paz, Rita Lee.

virginia finzetto

BANDIDO DESALMADO

tem um kit extrema-unção na bolsa, em vez de celular. entre um e outro intervalo, abre a caixinha e admira o micro terço e a miniatura da imagem da nossa senhora. "se chegar minha hora, parto em paz." o ônibus está cheio. entra um rapaz armado, tremendo mais que os passageiros. quando vai anunciar o assalto, a voz, traída pelo próprio terror, fica presa em sua garganta. um policial rouba-lhe o revólver, num rápido golpe profissional, e revela que a arma é de brinquedo. todos aplaudem aliviados. o rapaz, banhado de suor e lágrimas, tenta se ajoelhar no pequeno espaço no chão pedindo clemência. enquanto todos se distraem com o episódio bizarro, nota o zíper da bolsa aberto e se dá conta do sumiço de tudo, menos do kit azarado. "fui roubada, grita, por um bandido desalmado!" ninguém lhe dá atenção. todos ali xingam e querem malhar o assaltante fracassado.

virginia finzetto

FIGURINHA DIFÍCIL

 

̶ e aí cara, vamos trocar figurinhas?

̶ sim, qual está faltando pra você?

̶ ... gula, avareza, luxúria, ira, inveja, preguiça e soberba.

̶ tenho todas...

̶ e qual está faltando pra você?

̶ amor.

̶ xi, cara, não tenho...

̶ é, figurinha difícil mesmo. já completei 4 álbuns de pecados com as repetidas, mas essa não sai em pacotinho, não.

̶ já tentou o mercado paralelo?

̶ já tentei de tudo, nem a editora tem... uns dizem que foi de propósito, outros de que é uma pegadinha...

̶ mas, por lei, eles não têm que garantir que não tenha adesivo difícil?

̶ é, mas eles incluíram lá umas regras, tal, que o amor não pode ser vendido, só de graça, tipo assim, uma cláusula incondicional.

̶ ué, então como receber se não tem quem vai dar?

̶ corre por aí que vai cair do céu...

̶ tipo, vai chover figurinhas?

̶ isso... uma chuva de amor.

̶ ... que marketing, hein? valeu, bró, fica com meu contato aí...

̶ opa! tô em vários grupos com mais de miles, só trocando figurinhas!

virginia finzetto

MADRID

o azul do céu da meseta central
traz o espírito para mais perto do corpo
a alma lusco-fusco vive em vigília
projeta personagens medievais na tela imaginária
ressuscita signos antigos e condutas sinceras

quando viaja no tempo,
encontra sua impermanente presença
a perambular pelas calles...

virginia finzetto

ASSIM DA TERRA COMO DO CÉU

era um céu nublado fixo
com algumas ovelhas desgarradas pastando logo abaixo
sob a mira de um border collie alucinado

era uma terra de videiras e pontinhos escravos
sem nenhum direito ao cálice sagrado ou a qualquer avos
sob a mira de um capitão do mato terceirizado

virginia finzetto

ESCONDE ESCONDE

a lua e seus véus
ora brinca no escuro
ora é olho de loba
a espreitar os céus

virginia finzetto

IN ACABADO

marcamos um desencontro. nada poderia ser mais perfeito. chegamos em horários não combinados. fiquei na esquina, você na praça. aguardamos por um tempo não cronometrado, você distraído, eu despistada. desistimos da espera no mesmo momento e nos encontramos atravessando a rua, para pegar o mesmo ônibus. adorei que você comprou pipoca. dividimos o restinho, depois do beijo salgado. aquele milho sem estourar me custou nossa restauração...

virginia finzetto

SÍNDROME DO GATO

vivo as sete vidas aqui
cada uma em um tempo sem espaço
cada espaço perdido em um tempo
e de nenhum deles trago provas

como pessoa, abrigo pessoas
troco experiências e faço acordos
tento registrar cada sentimento
em palavras jogadas ao vento

tempo, espaço, tempo
espaço, tempo, espaço
feliz do gato que, de verdade, tem
o que a barata diz que tem
sete vidas, eu tenho em uma só

virginia finzetto

DESENCONTRO

na noite escura,
a alma embriagada
se encontra com seu
espírito desarmado

depois, acorda de ressaca
e não se lembra de nada.

virginia finzetto

POEMETIDO

lágrimas de crocodilo,
abraços de ursos
país vendido a quilo
bananas de bruços

virginia finzetto

AUSÊNCIA

onde você está enquanto se distrai?
segue a pulga a picar o cão
segue a gota a pingar no chão
segue o sim a se opor ao não
segue a vida a brilhar, a morte a espreitar

as belezas que se mostram em vão
os pensamentos perdidos, as carolas a pedir perdão

mas onde você está?

virginia finzetto