domingo, 18 de abril de 2021

PRONOMINAL

era pessoa de palavra
não da poesia
de prosa crônica
da fantasia
era pessoa de rima
das farpas e da ironia
de si, cômica
ria

virginia finzetto 

domingo, 4 de abril de 2021

LIBIDO

namora...
exala tesão demoníaco
e aí noiva...
cheira a channel número 5
depois casa...
transpira cândida e amoníaco

virginia finzetto


DIÁRIO DE UMA PROTAGONISTA MILENAR

foi assim: deus estava em seu estúdio brincando com suas canetinhas coloridas desenhando um planeta lindo, ao qual chamou de paraíso terrestre. nisso, o ambiente foi invadido pelos arcanjos, que resolveram pedir licença pra dar uns pitacos aqui e ali. deus, em sua grandiosa bondade, como é e sempre será muito democrático na escuta, ouviu a todos com paciência e depois fez o que bem entendeu. desenhou todos os personagens que quis, em sua máxima perfeição. eram páginas e páginas que mostravam todo o seu esplendor criativo e onde reinava o supremo amor e a graça infinita. aí vieram os anjinhos batendo suas asinhas luminosas para que o mestre pudesse trabalhar no escuro. um deles, lúcifer, das asas de purpurina, muito desastrado, acabou derramando o jarro de água benta sobre o gibi divino. deus, ainda em sua enorme paciência, mas sem abrir mão do pulso rigoroso, o expulsou de seu reino celeste, condenando-o a viver como antagonista no paraíso destruído pelo líquido entornado. depois disso, o criador foi tirar uma soneca para descansar [já era o sétimo dia!] e largou sua criação ao deus dará.

virginia finzetto 

RESSURREIÇÃO

pele flácida
às margens deste corpo
é versátil capa
do veículo que me conduz
o nariz cresce
a bunda cai
ó carne idolatrada
pela mídia que te ilude
não sobrará
pátria sobre pátria
da terra que é solo
ao qual retornarei

virginia finzetto

domingo, 21 de março de 2021

VESTIDO DE NOIVA

quando eu me casar,

vou reservar o domingo

e a paulista inteirinha pra mim

três mil metros de tule esticado

segurado pela multidão

quero ver quem pode comigo

enquanto dou o sim no paraíso

meu rabo dá na consolação

virginia finzetto

quarta-feira, 17 de março de 2021

O CONTRABANDO

Em 1996, quando estive em Oaxaca, no México, eu não pude evitar uma paixão à primeira vista pelo chuchu peludo que vi no mercado local. O legume era pequeno, delicado e revestido por uma penugem, um cabelinho verde macio. Não tive dúvidas. Trouxe um exemplar deles comigo e o plantei no sítio.
Ele vingou... e se vingou.
Como uma praga, o bicho se espalhou e deu mais do que chuchu na serra. Só que, para minha surpresa, aqui em solo brasileiro os frutos nasceram bem maiores e com uma crosta revestida de espinhos duros como os de ouriços do mar, sem exagero. Impossível apanhá-los sem vestir luvas de raspa.
Levei vários exemplares para distribuir para os amigos na redação. Sim, fui xingada, muito...
Tá, antes que alguém me culpe ou denuncie, eu confesso que hoje não faria uma barbaridade dessas.
Senti na pele ferida das mãos, espetada várias vezes pelas hastes criminosas, e na alma, a verdadeira maldição de Montezuma!

virginia fInzetto

quinta-feira, 4 de março de 2021

FALTAS

e agora me vem essa falta de fome
quando vejo cadáveres de bichos se mexendo no réchaud
e sinto o amargo entre a minha língua e o meu palato
do fel tóxico de suas lembranças antes do assassinato

e agora me vem essa falta de sono
quando meu corpo cansado não acompanha mais minhas ideias
e os pensamentos misturados com os números e as dores
de muitos cadáveres humanos que me mantêm acordada

e agora me vem essa falta de vontade de sexo
quando antes tudo era falta de fome e falta de sono
mas sustentadas pelos afagos dos dedos, da língua, do tato
em minha vagina retesada do meu corpo entregue

agora o que sobra é uma vida de faltas
 
virginia finzetto