enquanto observava pela janela o voo planador e suave da paloma branca, Ana pensou como seria o pleno vigor da vida utópica em que os seres não mais precisariam disputar entre si ou esconder algo, qualquer, de quem quer que fosse. haveria uma revolução pelo menos quanto à temática dos romances ou apenas arriscariam alguma escrita nessa direção os que tivessem uma boa memória ou o resquício de antiga imaginação capaz de registrar sentimentos que pudessem transmitir veracidade a esse tempo, desconhecido da maioria da humanidade, que ficara para trás? senão isso, que tipo de literatura seria praticada em um mundo sem conflitos no qual homens e anjos agora confraternizavam anseios sem trocar uma palavra sequer? quem ou que grupo promoveria uma censura diante da probabilidade do ressurgimento do príncipe das trevas, que, sabiam, habitando o mais secreto do silêncio de cada um, nunca havia morrido. o marcador da livraria San Ginés, presente de Juan, interrompia aquela leitura ao final de mais um capítulo. no verso ainda estava gravado o telefone de sua amiga. ela, que sofrera tanto por carregar as angústias de uma vida submissa a um marido machista. este, que se dividia entre todos os prostíbulos da cidade plantando sementes em ventres inférteis, enquanto exigia dela que aceitasse a monocultura que devastara sua flora virginal durante trinta anos sem gerar um fruto. preciso de sol! - pensou - andar pelas calles, ir ao Arenal, visitar a igreja e depois fazer compras e comer um pincho de tortilla na Fuencarral.
virginia finzetto
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