Meu filho sempre foi curioso, inteligente e esperto, e queria saber o porquê de tudo. Mesmo assim, os professores nos chamaram um dia e sugeriram que ele passasse por uma avaliação de um terapeuta, para identificar a causa de sua dispersão. Segundo o diagnóstico, os exames clínicos apontaram um déficit de atenção. Havia uma defasagem entre o que ele ouvia e o que o cérebro dele processava. Provavelmente a causa de sua desobediência às ordens dadas e à tradicional disciplina exigida para adquirir o aprendizado regular. A partir daí, seguindo as orientações médicas, ele começou a frequentar sessões de ludo terapia e fonoaudiologia.
Certo dia, enquanto folheávamos algumas revistas disponíveis na recepção do consultório, ele se interessou pela capa de uma delas que trazia a imagem reconstruída em computador do crânio feminino encontrado pelos arqueólogos, com a chamada em destaque: “LUZIA”, A PRIMEIRA BRASILEIRA.
-- Olha, mamãe!
-- É, que legal... A Luzia, a primeira mulher! – exclamei.
-- Mas a primeira mulher não é a Eva?
A sala repleta de gente. Todos riram dessa tirada genial, que me encheu de orgulho do meu filho perspicaz. Então, expliquei a ele que aquele fóssil era o da primeira mulher encontrada no Brasil e que existiam muitos, até mais antigos, descobertos em outras partes do mundo.
Como fazê-lo distinguir que uma coisa eram os achados arqueológicos e outra era a abstração necessária para compreender a complexa e metafísica simbologia da existência da primeira mulher bíblica, se eu mesma tinha tantas dúvidas...
Quando se perde a capacidade de acreditar em algo que não deixa pistas materiais que satisfaçam aos cinco sentidos físicos, as pessoas ou duvidam dessa existência ou cultivam a fé, que é crer sem a necessidade de provas.
Muitos anos se passaram, mas meu filho continua o mesmo cético no que parecia ser apenas ingenuidade infantil: “se foi possível descobrir a Luzia, onde estariam os ossos da Eva?”.
Supondo que por um ângulo da ciência nós existimos a partir da evolução do macaco, quer crença maior do que um elo perdido que até agora ninguém encontrou? Ou é melhor acreditar que fomos criados a partir do pó das estrelas?
Seja o que for, há uma Eva em nossas vidas, encontrem ou não seus restos mortais.
Pode crer!
Virginia Finzetto
(crônica para o blog da Scenarium Plural, janeiro de 2017)