quinta-feira, 7 de maio de 2020

DO ANO SABÁTICO À QUARENTENA

resolvi que havia chegado a hora. nada de apenas um final de semana ou um mês. meu projeto foi pensado, articulado, um sonho que vinha sendo acalentado diariamente, planejado etapa por etapa, cronograma e recursos conquistados. queria um período largo para me dedicar a outras produções! eis que chega a primeira notícia da doença, que não ficaria localizada no país de origem, mas avançaria com rapidez para o leste e, passo a passo, para o oeste, aumentando o número de mortes, a princípio impessoal, o que não significa menos importante, depois de conhecidos distantes e personalidades públicas, até chegar nas américas, atingir meus compatriotas, vizinhos e, ontem, alguém muito próximo. não serei eu a dar a medida e o valor de cada vida nesse curso ceifador que se alastrou vertiginosamente pelo mundo. quando me dei conta do inevitável, não houve muito tempo de escolha, a não ser rever meus planos, cancelar o que era possível. impressionada com a relação entre o que eu quero e o tempo de resposta, revejo cada quadro desse curta para entender qual foi a falha em meu pedido. hoje aceito que não houve nenhuma, apenas que, como todos deveriam entender, as ações coletivas ao longo dos anos contaram com a massa crítica necessária para a realização dessa, digamos, mesmo inconsciente, súplica. todo profeta é sábio para não estipular datas e desperto o suficiente para descrever o desfecho com detalhes que impressionam a maioria que dorme. e um dia ele chega! concluí que ao meu ano sabático se sobrepôs um apelo mais forte, o de resposta em primeiro lugar ao planeta. durante o longo tempo em que as fronteiras foram sendo abertas, encurtando distâncias pelas redes virtuais e pelas redes físicas – terrestre, marítima e aérea – para comercializar quinquilharias e quimeras, o vírus estava sendo gestado nas sombras da ignorância de que seus atos um dia o dariam à luz. então veio o basta! fecha tudo! e, antes do meu particular, mais do que um desejo, uma ordem deste universo que sempre responde, todos fomos atendidos. eu quis apenas descansar para recarregar minhas forças, mas o efeito dessa onda gigante engoliu a minha vaga e a minha vez. nesse efeito bumerangue que me atingiu em cheio, troquei meu ano sabático por uma quarentena. fizemos por merecer! 

virginia finzetto

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