pelas minhas mentiras
troco seu silêncio
pelas minhas torturas
troco sua fome
pelas minhas riquezas
troco sua crença
pelas minhas balas
troco seu picadeiro
pelo meu paraíso
troco sua liberdade
pela minha ditadura
virginia finzetto
a dose de tinta no final da esferográfica
ainda é berçário de letras em gestação
a escrita não recebe a graça da
harmonia que amálgama as palavras
se o ato é mecânico
nem a alma acompanha esses esforços
por obrigação
então vejo que ela rubrica
formulários e anota algarismos de todos os que agora morrem pelo mesmo motivo
números de tempo de vida, de tempo
e de vida,
números que destoam dessa vida
que se esvai à toa
cifras, porcentagens, estatísticas,
altas e baixas,
variações no mercado de ações
que travam o olhar dos ângulos, das
arestas, dos pontos de intersecção das curvas na respiração do espírito em nano segundos
nas planilhas tudo virou cepa de nós
em conflito cujo mal não se extirpa
imagino isso, enquanto olho minha
caixinha de joias
conto e brinco com 12 dentinhos
de leite do meu filho, 1 dente do siso despedaçado, 3 unhas e 2 bigodes da gata
e a quantidade de lembranças guardadas nessa natureza morta
virginia finzetto
virginia finzetto