completamente alheia, melissa dorme na minha cama. parte dela está na nesga de sol que entra pela janela, enquanto sua cabeça repousa sobre uma pata dianteira, a outra, por baixo do corpo, aparece e se move em pequenos espasmos. estaria ela sonhando ou seria reflexo mecânico da pressão ocasionada pelo relaxar de seu corpo? a ponta da língua, da espessura de um papel, repousa imóvel entre os dentes de sua pequena boca entreaberta. é de uma entrega invejável essa felina. alheia como o tempo que atropela a tudo sem parar e sem nenhuma pré-intenção, eles seguem um curso incompreensível aos humanos, que treinam, em vão, querer dominar a ambos. mais do que com a gata, quero competir com o tempo, antecipar-me à catástrofe de não conseguir conhecer partes do mundo antes de a próxima guerra estourar. mas para além daquelas dunas, seja do deserto ou de qualquer praia distante, temo que me aguardará uma barraquinha de artigos chineses.
virginia finzetto