quarta-feira, 26 de setembro de 2018

DOMINÓ PRA DOMINÁ

os poderosos que dividem entre si o ouro do mundo compram traíras nos paraísos vizinhos para que comprem com 40 moedas de ouro os traíras dos seus que acenam com o ouro de tolo e o falso brilho da moral para os ignorantes que soterrados sob todas as peças do jogo ainda estendem a mão pedindo ajuda ao falso herói que jogará sobre eles a última pá de cal.

virginia finzetto

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

COBIÇA

vou
fazer um
poeminha
de amor
pra você
que não
é meu


vai se fudê
seu grande
merdinha...
onde foi
que você
se meteu?

virginia finzetto

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

INDOMÁVEIS

completamente alheia, melissa dorme na minha cama. parte dela está na nesga de sol que entra pela janela, enquanto sua cabeça repousa sobre uma pata dianteira, a outra, por baixo do corpo, aparece e se move em pequenos espasmos. estaria ela sonhando ou seria reflexo mecânico da pressão ocasionada pelo relaxar de seu corpo? a ponta da língua, da espessura de um papel, repousa imóvel entre os dentes de sua pequena boca entreaberta. é de uma entrega invejável essa felina. alheia como o tempo que atropela a tudo sem parar e sem nenhuma pré-intenção, eles seguem um curso incompreensível aos humanos, que treinam, em vão, querer dominar a ambos. mais do que com a gata, quero competir com o tempo, antecipar-me à catástrofe de não conseguir conhecer partes do mundo antes de a próxima guerra estourar. mas para além daquelas dunas, seja do deserto ou de qualquer praia distante, temo que me aguardará uma barraquinha de artigos chineses. 

virginia finzetto

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

CLAUSURA

ateísmo que enclausura
algema a liberdade
tanto quanto pastores e curas
pregam o seu fim
do centro ao arrabalde


que compartilhem entre si seus pastos


pois o que almejo é de alcançável altura
além dos pregos de toda cruz e usura
é minha tangível imaterialidade


virginia finzetto

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

ENQUANTO

na cuba da pia havia um copo, que se enchia todo dia, mas ela não via. nada vazava, a torneira estava bem fechada. então qual seria o mistério? ficou ali observando e nada de anormal acontecia. resolveu ficar de prontidão. esvaziou o copo e o colocou no mesmo lugar. por um bom tempo concentrou-se nessa vigília. quando se deu conta, havia perdido ali um dia inteiro. no interior do copo havia água. como podia? nesse momento ela não piscou e um pingo caiu. aí ela compreendeu o sentido das palavras 'enquanto' e 'sincronia'. alguns milagres são não tão sobrenaturais assim...  

virginia finzetto

terça-feira, 31 de julho de 2018

EPÍLOGO

...terminar a leitura de um livro, que a arrebatou perdidamente, é como aterrissar, após um período atemporal fora do seu mundo, e se arrepender de ter voltado antes mesmo de sair do aeroporto...

virginia finzetto

sábado, 21 de julho de 2018

MARCADORES DE LIVRO

enquanto observava pela janela o voo planador e suave da paloma branca, Ana pensou como seria o pleno vigor da vida utópica em que os seres não mais precisariam disputar entre si ou esconder algo, qualquer, de quem quer que fosse. haveria uma revolução pelo menos quanto à temática dos romances ou apenas arriscariam alguma escrita nessa direção os que tivessem uma boa memória ou o resquício de antiga imaginação capaz de registrar sentimentos que pudessem transmitir veracidade a esse tempo, desconhecido da maioria da humanidade, que ficara para trás? senão isso, que tipo de literatura seria praticada em um mundo sem conflitos no qual homens e anjos agora confraternizavam anseios sem trocar uma palavra sequer? quem ou que grupo promoveria uma censura diante da probabilidade do ressurgimento do príncipe das trevas, que, sabiam, habitando o mais secreto do silêncio de cada um, nunca havia morrido. o marcador da livraria San Ginés, presente de Juan, interrompia aquela leitura ao final de mais um capítulo. no verso ainda estava gravado o telefone de sua amiga. ela, que sofrera tanto por carregar as angústias de uma vida submissa a um marido machista. este, que se dividia entre todos os prostíbulos da cidade plantando sementes em ventres inférteis, enquanto exigia dela que aceitasse a monocultura que devastara sua flora virginal durante trinta anos sem gerar um fruto. preciso de sol! - pensou -  andar pelas calles, ir ao Arenal, visitar a igreja e depois fazer compras e comer um pincho de tortilla na Fuencarral. 

virginia finzetto