quarta-feira, 16 de março de 2016
quarta-feira, 9 de março de 2016
CRENÇAS
hoje o armário não quis fechar de jeito nenhum. a mínima
dose de coragem deixou uma fresta aberta e por ali vi o lote de crenças
penduradas. encarei parte delas, as mais usadas que, de tão usadas, viraram
hábitos [e aí eu entendi o provérbio 'o hábito faz o monge']. vi todas
acompanhadas de açoites e vendas, grandes formas usadas pelo capitão do mato
para destronar o rei. peguei uma delas, tirei-a do cabide e a deixei sobre a
mesa. como eu pude acreditar por tanto tempo a ponto de achar que bastava não
usá-la mais para eu me livrar de seu assédio? deixei que ela voltasse para o
armário, já destituída de seu domínio, para, assim, contaminar o lote inteiro
por meio de vasos comunicantes.
virginia finzetto
terça-feira, 8 de março de 2016
BINAH - HOCKMAH
sua vaidade exposta era fruto lascivo de uma paixão
recolhida. mendicava alta tensão em toda rede com o intuito de se abastecer,
mas provava somente de energia artificial. era mais sugada do que previa. de
súbito, deu-se conta da beleza que dispensa trampolim. fez o mergulho que a
levou às alturas, lugar onde fica a fonte luminosa de raios que não servem para
acender fogo. raios frios que derretem a espessa camada de gelo sem queimar. e
todo o processo se realizou a contento, provando ser próprio das mulheres a
sabedoria e o entendimento.
virginia finzetto
segunda-feira, 7 de março de 2016
FÊNIX
estranho seria se não houvesse a própria morte para os que estão no topo da cadeia alimentar. até estes serão comidos, mesmo que tardiamente, pelos vermes ou urubus no cumprimento de suas não condecoradas, porém honradas, tarefas de saneadores básicos da natureza. mas não a mitológica ave fênix, que se auto crema e ressuscita de suas cinzas, pois a ela coube a sentença de nunca perecer para sempre, engatando um no outro longos períodos de vida. ou seremos mortos ou seremos ressuscitados ou ambos em diferentes planos de realidade. mas não ter ninguém para me comer exatamente agora é o fim da picada.
virginia finzetto
domingo, 6 de março de 2016
SINTONIA
abaixou os olhos, mas continuou a ouvir cada
letra atravessando o túnel auditivo com pisos firmes e ritmados até que, ao
final do pavilhão, se unissem para formar a palavra que fazia sentido.
compreendeu uma a uma das palavras em separado. depois a ordem de cada palavra
na frase. e, por fim, enquanto uma lágrima quente escorria até a metade de sua
face, abraçou a mensagem de viver a dor do outro como se fosse sua.
virginia finzetto
quinta-feira, 3 de março de 2016
HIROITO DE MORAES JOANIDES
Eu conheci Hiroito de Moraes Joanides (*Morretes 1936 +São Paulo1992) nos finais dos anos 1970, em nosso circuito da madrugada pelos bares e cinemas, entre o Belas Artes, Riviera e o Ponto Chic do Largo Paissandu, todo final de semana, para vender de mão em mão o tabloide de esquerda Movimento. O Rei da Boca do Lixo, como era conhecido, sempre aparecia com sua malinha cheia de livros, o Boca do Lixo, título de sua autoria, que viraria depois o filme "Boca”, do cineasta Flávio Frederico, em 2010. Veio-me hoje a imagem dele, baixinho, simples, com aqueles óculos com lentes de fundo de garrafa, ex-bandido e simpatizante da nossa tchurma de estudantes revolucionários. Bons tempos em que a gente só tinha medo da repressão.
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
DECOR
Então era ditadura braba, e eu ainda uma criança. Havia um autoritarismo ferrado, do hino nacional, à entrada da escola, à rigidez da maioria dos mestres em sala de aula. E um professor de Português, desgraçado, que seguiu tudo ao pé da letra, queria que eu decorasse um poema imenso e difícil. E era para eu declamar para os colegas, valendo nota. Travei. Travei para sempre. Nunca mais consegui decorar nada, nem textos nem fórmulas nem datas nem sequer o que eu escrevi durante toda minha vida. Passei a odiar o tal homem, a odiar o tal poema, a odiar o tal poeta. Hoje, por acaso, estou aqui com I-Juca Pirama na minha frente, num esforço grande para chegar até o fim das estrofes bem construídas. Talvez assim eu possa me curar e fazer as pazes com o Gonçalves, esse grande escritor jornalista maranhense folclorista indianista romântico nacionalista [e que veio me confessar, ao pé do ouvido, que odiou o que aquele carrasco fez comigo].
virginia finzetto
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