segunda-feira, 1 de julho de 2019

DESCOMUNA MUNDIAL

agora todos os animais
não se reproduzem porque
não exalam seus odores
não identificam nem sentem
certas frequências do som
da sintonia do amor

substituídas as câmaras de gás
inodoras do holocausto
suprimidos os bemóis
e retirados os sustenidos
humanos não se reconhecem mais
não se admiram nem se olham

sob os escombros do descartável
todos copulam como ordenhadeiras mecânicas
e ignoram seus bebês desprogramados
largados em depósitos
vigiados por babás eletrônicas
de última degeneração
nesse império da deformidade
não sentem perfumes nem sabores
não enxergam nem ouvem
não identificam o cheiro do enxofre
nem o podre da carne
exalados pelas chaminés de extermínio

esse imenso exército sem tato morre viciado
em inalar um tipo raro de tiol volátil
um desumano agente entorpecente da alma
que elimina sem qualquer reação
o limite acima da quantidade programada
pela descomuna mundial

apenas os rouxinóis resistem
fazendo seus ninhos no topo das montanhas
do lixo cibernético acumulado,
como minaretes a arranhar o céu
de toda a loucura,
e não se cansam de entoar seu chamado

à lembrança

quase perdida

do que um dia

já foi sagrado

virginia finzetto

[in revista literária Plural F451, edição de junho de 2019]

A SETE CHAVES

investigar sobre a suspeita

suspeitar do que odeias
odiar em qualquer desfeita
o joio que semeias

semear sobre o tempo
temporizar esses planos
planejar em cada evento
a ilusão dos enganos

enganar sobre a morte
morrer em cada lance
lançar da tua sorte
o último romance

romancear sobre os estímulos
estimular a tua firmeza
afirmar por entre túmulos
o mantra da pureza

apurar sobre a pauta
pautar mais uma escrita
escrever em tua minuta
o epitáfio dessa cripta

critografar sobre os amores
amar a tua lembrança
lembrar a esses atores
a quebra da vingança

vingar sobre a procura
procurar nessa espera
esperar de tanta jura
o amor de outra esfera




virginia finzetto

quarta-feira, 26 de junho de 2019

ESTAR NO MUNDO

corpo, esse ator cuja alma se identifica
com a dor, 
cujo espírito experimenta um átimo 
do cenário planejado há milênios.

virginia finzetto

segunda-feira, 24 de junho de 2019

ESTAR SEM SER

almejo tanto um mundo fraterno, que já visualizo parte do meu corpo na realidade paralela! se todos treinarem, eles somem!

virginia finzetto

CERTAS COISAS

não me entendam, não peço por isso. certas coisas vou falar no reservado, vou chamar você para o cantinho, vou limpar seus perdigotos do meu rosto com discrição, sentir seu cheiro de boca e guardar silêncio. certas coisas não têm dízima periódica, números depois de vírgula, claves que as antecedem, letras depois de ponto final. certas coisas são veladas ao mesmo tempo que descobertas. certas coisas são apenas pactos feitos de um impacto que emudece visionários. certas coisas nem são tão certas quando mesmo que abertas se fecham em dúvidas particulares. cantinhos guardam montanhas de certas coisas. 

virginia finzetto

sexta-feira, 31 de maio de 2019

POEMA DO EXÍLIO

dói infinitamente
ouvir de meu ego
que ele se sente machucado
e por isso quer melhorar o mundo
fazendo tudo do seu jeito

em seu sono profundo
não imagina que já esteve aqui
a bater prego
na tábua de outro crucificado

não nego, mas não o rejeito
sei que sequer ele é só amigo

de novo, quando eu partir
sem nenhum grande feito
que imagino poderia ter realizado
levarei a lembrança
de outro fim de umbigo


virginia finzetto

segunda-feira, 6 de maio de 2019

TROCADILHO

houve um tempo
em que caminhei
cega pela paixão

mas nunca estive 
tão wonder 
em toda minha  
brega vida

virginia finzetto