segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

PIVÔ DE OSSO

tudo começou quando adão e eva 
se sentiram fora um do outro. 
a costela foi só o pivô dessa separação.

virginia finzetto

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

NATUREZA MORTA

a dose de tinta no final da esferográfica

ainda é berçário de letras em gestação

a escrita não recebe a graça da harmonia que amálgama as palavras

se o ato é mecânico

nem a alma acompanha esses esforços por obrigação

então vejo que ela rubrica formulários e anota algarismos de todos os que agora morrem pelo mesmo motivo

números de tempo de vida, de tempo e de vida,

números que destoam dessa vida que se esvai à toa

cifras, porcentagens, estatísticas, altas e baixas,

variações no mercado de ações

que travam o olhar dos ângulos, das arestas, dos pontos de intersecção das curvas na respiração do espírito em nano segundos

nas planilhas tudo virou cepa de nós em conflito cujo mal não se extirpa

imagino isso, enquanto olho minha caixinha de joias

conto e brinco com 12 dentinhos de leite do meu filho, 1 dente do siso despedaçado, 3 unhas e 2 bigodes da gata

e a quantidade de lembranças guardadas nessa natureza morta


virginia finzetto

 

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

DESTINOS

invocava a lei da atração
amando o desejo
de toda contradição

dos quereres de leste a oeste
entre um apê em Madrid
e uma quinta em Trieste
um cruzeiro ao norte
e uma expedição ao sul
o universo da razão
se mostrou mais forte

veio o naufrágio no Mediterrâneo
e, dessas vontades,
o despejo

no resgate da sorte em Ibiza
criou raízes nessa ilha famosa
na qual jamais imaginou viver
fez ali fortuna e família
em sua clínica resort
para tratar gente indecisa

virginia finzetto

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

O SOLAR DA DONA CARLOTA

Foram tantos casamentos desfeitos e rebarbas de mudanças, que a casa da sogra virou casa da sobra. O quartinho acabou inteirinho, de despejos, de histórias truncadas, de páginas arrancadas, de livros, de louças, todos autografados com as digitais dos que se foram, para uma nova tentativa ou para outro plano. Sempre assim, no sótão ou no porão, éramos nós, crianças a abrir caixas e baú, de onde surgiam a produção e o enredo para nosso mundo de faz de conta. Solar Lavoisier, foi esse o nome que deram ao castelinho construído nos meados do século passado, onde viveu a dona Carlota, por longos anos, já esquecida de tudo. Que Deus a tenha.


virginia finzetto

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

CRÔNICA DE UMA VAGINA POrrETA

Desde que fora demitida de seu último emprego fixo, ela estava convencida de que aquela era a hora de parar de trabalhar para os outros. Decidiu abrir sua própria empresa. Sabia que não teria os mesmos ganhos que antes como editora, mas ficou feliz com a possibilidade de uma nova rotina, poder conciliar melhor seus horários.

Nos intervalos entre um trabalho e outro, ela voltou a escrever poemas e, com o tempo, passou a publicar em grupos e páginas pela internet essa arte que fazia às escondidas.

Quem imaginaria em um passado nem tão remoto que as pessoas se conectariam globalmente por redes virtuais e, que, estas, também, mostrariam o que há, do que sempre houve, de esquizofrenia subterrânea da civilização moderna.

Saíram dos armários para as passarelas virtuais o que de melhor e de pior cada um guardou em seu próprio interior durante as décadas de 90, 80, 70... até sei lá qual, quando ainda não existia essa forma de se divulgar vaidades e importâncias pessoais com tanta facilidade.

Para os preconceitos mais evidentes, não puníveis no passado, agora havia leis, mas não uma real transformação de valores humanos que justificasse todo o veneno que circulava na internet, evidenciando o quanto ainda éramos perversos, machistas, homofóbicos, racistas e violentos.

O viés poético da prosa, que a princípio pensava cultivar sem compromisso, era o que mais lhe agradava, pois, de fato, sentia que algo de si queria se manifestar, as palavras ganhavam força própria, fluíam, dando recados que até então ela não percebia.

Até a hora que topou com seus versos plagiados e o impostor dizendo que eles não tinham autoria depois que ganhavam as redes.

Não gostou nem um pouco da falsa modéstia do invejoso ladrão, embora intuísse que a poesia mesmo não pertence a este mundo, pois é ela que, como uma grande vagina, se abre para engolir para sempre quem a gesta... é a poesia que abriga o poeta, a poeta em seu útero, até a hora que se faz pronta para ganhar a luz... é a poesia que faz, após nascer de parto natural, descansar em banho maria em sua placenta de ideias aquele ou aquela que a pariu, até resolver voltar quando quer.

E foi nesse aconchego de reflexões que ela entendeu sua verdadeira vaidade de assumir ser ‘mãe terrena de poesia’ e, como tal, aceitar que sua cria nasce livre desde a concepção, apenas para ser o que é, existir, e não para lhe pertencer.

A poesia é!, mas a poeta, como toda mãe que zela pela cria que ama, processou o plagiador sem caráter, que sequer pai adotivo merecia ser.

virginia finzetto

terça-feira, 8 de setembro de 2020

DOS TÍTULOS

 "A rebelião das vírgulas" - título do meu próximo livro.
Cada um que o interprete como quiser... 
 
só não diga que não avisei!

virginia finzetto