No quesito visão, as aves de rapina estão no topo da excelência e, nessa espécie, quando se trata de enxergar na escuridão, destaca-se a coruja. Seus olhos de telescópio aproximam qualquer alvo, mesmo em noites sem luar.
— Ah, que inveja desses irmãos!
Hoje, com minha visão deficiente, não aprecio ambientes de pouca luz.
Mas sempre foi assim?
— Claro que não!
Quando criança, eu identificava pé de maracujá nascendo em mata fechada a muitos metros de distância. E à noite, quando me deitava na rua de terra sem movimento de carros e nenhuma iluminação, era capaz de acompanhar extasiada a elíptica dos planetas visíveis a olho nu subindo e descendo no horizonte, tendo ao fundo o braço nebuloso da via Láctea atravessando as constelações.
Sentia uma especial sintonia com o entardecer e a existência na escuridão. Depois que o sol se punha, em mim se abria um mundo de sensações misteriosas, que nasciam com o silenciar do dia. Criaturas noturnas vinham me fazer companhia, mas logo se recolhiam, bem antes da meia-noite. Era o cansaço das brincadeiras diurnas que vinha render meu corpo, pois durante a semana eu tinha de ir à escola logo ao raiar do dia.
Minha atração pela madrugada e a capacidade em me manter acordada crescia proporcionalmente à minha idade. No auge da juventude, era capaz de virar noites seguidas. Passeios noturnos à Cidade Universitária ou ao Parque do Ibirapuera eram frequentes, durante os quais acabávamos adormecidos em cama fofa de folhas secas quando chegava a manhãzinha. Contrapondo-se a esses momentos de silêncio, revezavam-se as noitadas nos botecos boêmios, os “sem porta”, assim chamados por não terem horário para fechar.
No entanto, com o outono da vida, sinto que estou voltando a ser menina. Das corujas quero apenas a sabedoria, já que hoje adormeço e acordo mesmo é com as galinhas.
virginia finzetto
[crônica, revista Scenarium Plural, Wild NIghts, homenageando Emily Dickinson, 2017]
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