no banco da praça do alto da cidade, Ana apreciava toda a vista da parte oeste de Toledo. quase a se por, o sol ainda iluminava o chão e fazia surgir o furta-cor nas penas das pombas em movimentos ligeiros a disputar migalhas do pão de um sanduíche descartado. àquela hora, a nostalgia baixava pontualmente e vinha gazetear lembranças do museu de Santa Cruz, em que ambos se deram conta, como um casal apaixonado que sempre olha na mesma direção, existir nas imensas telas de El Greco o domínio singular de pinceladas de luz sobre suas esguias figuras melancólicas. quantos dias iguais a esse teriam se passado? certeza que antes da reconquista de Al Andaluz pelos Reis Católicos alguém estivera ali mesmo, séculos atrás, a desfrutar, ao contrário daquele sentimento, de uma alegria radiante. imaginou como poderia ter sido essa época se o mesmo artista retratasse o real e o sobrenatural, o que pertencia ao céu e o que era próprio da terra, sem a tristeza profana na face de seus personagens tão sagrados. menos santificadas, luzes e sombras, assim também eram as camadas de tinta que ela tentava jogar sobre o quadro de detalhes que velavam e revelavam facetas de Juan e o que permanecia como verdade em sua vida.
virginia finzetto
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