tenho lembranças dos rituais da minha infância, do tempo em que os mortos eram velados em casa. recordo a dor da partida de um familiar ou de um vizinho e as lágrimas sinceras rolando nos rostos daquela gente querida em cada despedida que vivi. era uma época de compartilhar as alegrias, em conversas de portão e na calçada, e as tristezas, em volta de um caixão na sala, com a mesma presença desse espírito solidário. sei que, mais tarde, viciei em ler os obituários nos jornais imaginando como seria a vida, os sonhos e a causa da morte daqueles desconhecidos. e, a cada um se perguntando "por quê, eu?", minha despedida silenciosa "não se preocupe, vá em paz! agora, isso não importa mais", numa tentativa de dignificar cada ser humano como indivíduo neste mundo. cheguei até aqui para ver, agora, esse desencarne em baciada neste clima de "mal enterra um já morre outro", de milhares de desconhecidos protagonizando um luto em massa, em uma absurda estatística aferida e desejada por uma gente sem amor. peço perdão se hoje me falta ânimo e tempo necessários para manter meu ritual diário e particular, mas penso que se chegamos nessa banalização da morte é porque precisamos com urgência ressignificar a vida para nos devolver nossa defunta humanidade.
virginia finzetto
Nenhum comentário:
Postar um comentário