um vírus do avesso no mundo
deixou todos para dentro
com a coroa de espinhos na cabeça
e nada nas mãos
virginia finzetto
segunda-feira, 11 de maio de 2020
quinta-feira, 7 de maio de 2020
DO ANO SABÁTICO À QUARENTENA
resolvi que havia chegado a hora. nada de apenas um final de semana ou um mês. meu projeto foi pensado, articulado, um sonho que vinha sendo acalentado diariamente, planejado etapa por etapa, cronograma e recursos conquistados. queria um período largo para me dedicar a outras produções! eis que chega a primeira notícia da doença, que não ficaria localizada no país de origem, mas avançaria com rapidez para o leste e, passo a passo, para o oeste, aumentando o número de mortes, a princípio impessoal, o que não significa menos importante, depois de conhecidos distantes e personalidades públicas, até chegar nas américas, atingir meus compatriotas, vizinhos e, ontem, alguém muito próximo. não serei eu a dar a medida e o valor de cada vida nesse curso ceifador que se alastrou vertiginosamente pelo mundo. quando me dei conta do inevitável, não houve muito tempo de escolha, a não ser rever meus planos, cancelar o que era possível. impressionada com a relação entre o que eu quero e o tempo de resposta, revejo cada quadro desse curta para entender qual foi a falha em meu pedido. hoje aceito que não houve nenhuma, apenas que, como todos deveriam entender, as ações coletivas ao longo dos anos contaram com a massa crítica necessária para a realização dessa, digamos, mesmo inconsciente, súplica. todo profeta é sábio para não estipular datas e desperto o suficiente para descrever o desfecho com detalhes que impressionam a maioria que dorme. e um dia ele chega! concluí que ao meu ano sabático se sobrepôs um apelo mais forte, o de resposta em primeiro lugar ao planeta. durante o longo tempo em que as fronteiras foram sendo abertas, encurtando distâncias pelas redes virtuais e pelas redes físicas – terrestre, marítima e aérea – para comercializar quinquilharias e quimeras, o vírus estava sendo gestado nas sombras da ignorância de que seus atos um dia o dariam à luz. então veio o basta! fecha tudo! e, antes do meu particular, mais do que um desejo, uma ordem deste universo que sempre responde, todos fomos atendidos. eu quis apenas descansar para recarregar minhas forças, mas o efeito dessa onda gigante engoliu a minha vaga e a minha vez. nesse efeito bumerangue que me atingiu em cheio, troquei meu ano sabático por uma quarentena. fizemos por merecer!
virginia finzetto
domingo, 26 de abril de 2020
PARAR PARA PARIR
era abril quando pressenti
que devia me fechar
era maio quando decidi
que minha vida era maior
era um ano de mudanças
que me abria para o amor
era um instante de abertura
que engendrava gravidez
era um ciclo de abundância
que se gestava em meu útero
era esse momento de fartura
que permitia nova colheita
era um tempo de ser mulher
que nascia para outra era
virginia finzetto
que devia me fechar
era maio quando decidi
que minha vida era maior
era um ano de mudanças
que me abria para o amor
era um instante de abertura
que engendrava gravidez
era um ciclo de abundância
que se gestava em meu útero
era esse momento de fartura
que permitia nova colheita
era um tempo de ser mulher
que nascia para outra era
virginia finzetto
segunda-feira, 20 de abril de 2020
Contos da quarentena
VIRGINIA MARIA FINZETTO – SÃO PAULO –
BRASIL
INVISÍVEIS
Desde que
cancelara sua viagem à Portugal, muito antes que o país aderisse ao isolamento social
e tomasse todas as medidas profiláticas contra a peste, Ana intuiu que essa
parada necessária poderia ser sua chance de terminar alguns deveres
procrastinados.
A despensa
completa, a faxina em dia, as contas no débito automático, trabalho entregue e
nenhuma pendência urgente para resolver.
− Experimentarei na
prática aquela vontade secreta de me isolar no Tibete.
Trancou a porta do
apartamento. Comparou as fronteiras que se fechavam ao redor do planeta, devido
à pandemia de uma nova síndrome respiratória aguda grave, à cena em que o fornecimento
de ar era interrompido para o setor de Vênus Ville, onde vivia a escória mutante
e escravizada na colônia do planeta marciano em Total Recall, um clássico do
cinema.
Uma chave fecha a
porta para trazer segurança, outra chave abre células que serão infectadas pelo
surto. “Será que sensores de presença na entrada poderiam evitar essas invasões?”
Enfim, reclusa e
solitária, Ana poderia elucubrar à vontade.
Nos dias que se
seguiram, ela manteve a limpeza em ordem, fez escolhas simples do que preparar
para o almoço, aproveitar as sobras do dia anterior e assim por diante, até
chegar na triagem de roupas sem uso guardadas há muito tempo no armário e de outros
descartes esquecidos pela casa.
Entre dúvidas
existenciais e tarefas por finalizar, pensou que o sentido da palavra liberdade,
por exemplo, vivenciada no claustro, em muito se parecia com a que vivia lá
fora, nos dois casos carregadas de um medo exacerbado e de restrições nas
escolhas.
−
Se eu
insistir em repetir as mesmas defesas que sempre usei para me proteger, pode
ser que elas não me sirvam mais quando este perigo acabar. Será que
encontraremos uma Terra mais inóspita que o Marte retratado no filme?
Fora, o medo do
contágio; dentro, o medo de si mesma.
No entanto,
algumas coisas começaram a mudar na segunda semana. O que era uma corriqueira
ida ao supermercado acabou se transformando em um estresse tão grande com os
cuidados necessários para evitar o contato com a praga, que preferia pagar para
outra pessoa fazer as compras. Uma maneira inclusive de colaborar com alguém em
dificuldade financeira naquela situação de crise, dizia para confortar a si
mesma.
−
Agora que me sobra mais tempo, não sei
mais o que fazer com ele.
Sem os
condicionamentos habituais, começaram a emergir as dores emocionais que a
rotina anterior tornava invisíveis e, com elas, os velhos temores de encarar suas
crenças que, naquele momento, pareciam acusações: “Você tem medo do sucesso que
poderia fazer o romance que não consegue terminar. Você tem medo de que seu
talento não seja assim tão natural. Você tem medo que, sem o Google, seu vocabulário
seja parco, sua memória seja curta e sua linguagem, pobre. Você tem medo de ser
você!”.
Três semanas e o
volume de mensagens repetitivas – de memes, de alertas, de autoajuda, de notícias
falsas sobre tratamento milagrosos da doença, de profecias apocalípticas e de teorias
da conspiração − foram se multiplicando e ganhando o mesmo tom pasteurizado. Todas
invadindo sua caixa postal, as redes sociais e sua alma. Mal abria um vídeo,
outros iguais ou semelhantes apareciam. Passou a deletar tudo e a manter-se
afastada até dos noticiários da tevê.
Eram essas as portas
que Ana necessitava urgentemente trancar, para perceber o quanto da virulência desse
excesso de informação, não de sabedoria, havia contaminado a si mesma.
E agora que se
passaram quatro semanas e ela já pesquisou e preparou várias receitas
culinárias que encontrou na internet, completou com caneta Posca os poemas de
Santa Teresa D’Ávila nas paredes do quarto e a pintura do dinossauro com cara
de etê no corredor da entrada, resolveu brincar de advinhas:
“Quem é você, Ana
Monfort?”.
− Sabe aquela farsa do ‘estou envolvida com
meu projeto pessoal’ que só vale até a página dois? Neste quadro de incertezas,
eu sou aquela que gostaria de poder regressar o mais rápido possível ao
cotidiano que me tornava, pelo menos eu acreditava, segura e notável. Não sei
descrever estes pequenos lutos de um universo que vai se despedindo de mim tão
rapidamente. Não dá tempo de acompanhar tantos enterros.
Enfim, dentro e
fora, a catástrofe havia mandado muitos avisos prévios antes de se tornar
realidade, mas ninguém está preparado como deveria para enfrentar a finitude
anunciada. Nem Ana.
“E que lugar o
vírus ocupa nesta história?”
Ela não fazia a
menor ideia, mas arriscou pensar que era bem provável que esse pacote de
energia invisível ficasse no passado junto com a parte substancial da
humanidade que ajudou a dizimar, varrido por alguma vacina e deletado do
sistema por um programa de última geração que também formataria o mundo até
aqui conhecido.
NÃO DESLIGUE OU
DESCONECTE. INSTALANDO NOVAS ATUALIZAÇÕES EM SUA MÁQUINA.
Até o fechamento
desta edição, e antes que o computador se desligasse automaticamente, nem Ana foi
em busca do vírus, nem ele a encontrou; tampouco há notícias de previsões de datas,
se ou quando a cura, dela e do mundo, será descoberta.
quarta-feira, 25 de março de 2020
quarta-feira, 18 de março de 2020
EGO, DE NOVO
o problema não é o ego em si,
é o ego dos outros.
o meu é maravilhoso.
virginia finzetto
é o ego dos outros.
o meu é maravilhoso.
virginia finzetto
segunda-feira, 9 de março de 2020
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