sábado, 30 de novembro de 2019

CRÔNICA

VOCÊ, RECLUSO EM CASA, QUER VER COMO É A VIDA LÁ FORA?



precisava comprar zaatar. o único lugar onde vende o que gostamos é o empório Syrio, na Abdo Schahin... isso, a rua paralela à 25 de março. lá vou eu. tomo coragem, sem antes traçar um plano para percorrer o trajeto com objetividade, na intenção de perder o menor tempo possível. sábado, você pensa: "é moleza". não, não é. começando pelo metrô, baldeação e a linha azul sempre lotada. desço na estação São Bento e evito a Ladeira Porto Geral e qualquer atraso. ando então até a saída do Largo, que é mais perto do meu destino. um violeiro na porta toca dois acordes, para e diz ao microfone: "deu branco". sigo até a pequena rua, já interditada aos carros, que dá quase em frente a outra que me levará ao endereço certo. vejo pelo menos dois mendigos tão sujos dormindo no chão e penso que talvez eles nem se lembrem mais a qual raça pertencem. desvio dos camelôs haitianos, de qualquer distração e de todo tipo de freguês no empurra-empurra. ouço a mulher gritar bem alto: "isso não vai ficar assim, seu merda". a verdade é que está todo mundo com pressa e ninguém dá bola aos detalhes da vida. penso que não houve nenhuma vez em que fui ao centro sem sentir a ditadura que exalava naquele ano de 1969, lembranças da minha adolescência por aquela região. penso que a verdade e a democracia são como o relâmpago: "quem viu, viu". agarro firme na bolsa e ando apressada. entro no empório, compro o que preciso e mais algumas coisas e saio logo, antes de sucumbir ao apelos inevitáveis de outros consumos desnecessários. bom, tudo que desce, sobe. e essa parte é a mais difícil, até chegar de novo na mesma entrada da estação. entro numa fila de acesso ao embarque. ouço no alto-falante "cuidado com seus pertences. mantenham bolsas e mochilas firmes ao corpo". não está acontecendo nenhum roubo, até ali não vi nada, mas lembrei do ditado "quem avisa amigo é", de quando estava na cidade do México, no Zocalo, nas rádios que alertavam sobre como agir em caso de terremoto, e não vi nada disso acontecer. minha mente volta para aquele lugar abafado da estação e tento controlar minha síndrome do pânico, já que era inútil mudar de ideia. então sigo com a manada até o vagão e penso: "em que ponto chegamos que não é mais possível voltar?" 


virginia maria finzetto

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