quinta-feira, 13 de agosto de 2020

DAS 10, A MENTIRA MAIS VALIOSA DA MINHA VIDA!

Era maio de 82, eu tinha uma Brasília amarela. Naquela tarde, eu estacionei em uma vaga na rua, bem em frente a uma casa lotérica, fui fazer compras e, na volta, resolvi entrar para fazer um joguinho, antes de ir embora. Saí e lembrei que havia me esquecido de comprar frutas e tinha um mercadinho bem perto dali. Então, abri o carro, joguei as sacolas dentro e, nessas de correria, larguei o bilhete e o troco dentro de uma delas. Depois de meia-hora, eu volto cheia de novas sacolas quando noto que as outras não estavam mais ali. Cacete!... na pressa, eu esquecera também de trancar o carro, pensei. Fiquei muito triste com o roubo, mas entrei no veículo e fui em frente. Já lá em cima, antes de eu virar para entrar na minha rua, vi um sujeito agachado na calçada vasculhando umas sacolas, que, imediatamente, reconheci como sendo as minhas. Quase dei um cavalo de pau ao frear e acabei estacionando no meio da rua. Desci aos berros, chamando o cara de todos os palavrões. Nesse mesmo instante, vinha subindo a polícia com a sirene acionada. O cara, sentindo-se ameaçado, conseguiu fugir correndo, como quem sai catando coquinho no chão, largando tudo pra trás. Eu fiquei muito feliz com a sorte de ter recuperado minhas compras e, quando me viro em direção ao meu carro, vejo a viatura da polícia queimando os quatro pneus na freada bem em cima da minha Brasília. Largo tudo e coloco as mãos na cabeça, ao ver descendo os dois policiais com suas armas apontadas para mim. O susto foi tão grande que quase desfaleço, porque, se eles tivessem amassado minha caranga, eu teria que arcar com aquele preju sozinha. Aí um deles, de praxe, pediu minha habilitação e os documentos do carro, eu entreguei tudo e, depois de constatarem o equívoco, eles me liberaram. Entro no carro e fico alguns minutos recuperando meus sentidos. Fui embora com o coração ainda disparado de tanta emoção. Uns metros mais adiante, eu vejo a polícia, a mesma que havia me abordado, apontando armas agora para um sujeito, o mesmo que havia me roubado! Ele com as mãos na cabeça e, ao seu lado, uma sacola no chão. Ahhhhh, pensei, maldito bandido, conseguiu fugir levando uma de minhas compras! Imediatamente parei o carro e fui lá tirar satisfação. Os policiais, reconhecendo a Brasília amarela começaram a discutir entre si, ora apontando a arma para o bandido, ora apontando-a para mim, porque desconfiaram que EU fosse cúmplice do larápio. Depois de muitas explicações, consegui convencê-los de que EU era a vítima e que havia parado ali exatamente para recuperar o resto das minhas compras, ou seja, a sacolinha que estava ali bonitinha no chão.


Resumo da ópera: das 10 sacolas de compra, NAQUELA estava o bilhete de loteria ainda com o troco!
No dia seguinte saiu o resultado, e eu havia feito a quina sozinha.
Quase enfartei! Demorei muito a me recuperar do susto. Perdi o sono, já não comia mais, tamanha a ansiedade e o temor que tomaram meu corpo e minha alma. Durante um tempão, eu fiquei com o bilhete, olhando toda hora para ele, conferindo os números com o recorte do jornal com o resultado e guardando-o em um lugar seguro. Repetia o ritual quase que diariamente, só pensando no que eu deveria fazer.
O prêmio era muito alto, iria mudar radicalmente minha vida. E eu me perguntava se estava preparada para aquilo. Até que um dia, decidi ir resgatar o prêmio, assim de supetão, como quem não quer nada.
Estacionei minha Brasília amarela bem em frente à Caixa Econômica Federal, desci firme e resoluta, com a bolsa à tiracolo, quando, ao olhar para a esquerda, vejo um sujeito se aproximando a passos largos em minha direção.
Mas, assim que eu o reconheci como sendo o mesmo ladrão, aquele que havia roubado minhas compras há meses, as sacolas que estavam no meu carro, ele deu um puxão na minha bolsa e fugiu com ela em disparada.
Nessa hora, não havia nenhum policial por perto, não havia nenhuma viatura em alta velocidade e não houve nenhum déjà vu. Só o meu coração colapsou e eu nunca mais me recuperei desse episódio.
Moral real desse conto de ficção: um raio não cai no mesmo lugar, mas pode infernizar a vida de uma mesma pessoa por várias encarnações.

virginia finzetto


republicação do conto de 27 de abril de 2017

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