domingo, 20 de março de 2016
sábado, 19 de março de 2016
O SILÊNCIO DOS ANJOS
ele ou ela era assim. pairava. até a definição do gênero era
difícil, porque queria ser neutro em tudo. desde pequeno na escola deixava de
comer na cantina, porque fatalmente deveria pronunciar um nome e isso já era
uma escolha. e ele ou ela não conseguia, estava além de seus princípios,
julgava-se acima disso. síndrome de anjo, que difícil. deveria servir a quem?
aos homens? mas e esse corpo? e essa alma? e esses desejos loucos? eu sou
humano, ó dó! só haveria um jeito de resolver isso: morrer, já que havia
nascido. nascido aqui, onde cada passo é uma escolha, um lado, um compromisso.
virginia finzetto
quarta-feira, 16 de março de 2016
ÍNTIM[AÇÃO]
havia tanto assunto ainda para falar. mas ela preferiu se
sentar na varanda e deixá-lo ir. a poeira da estrada levantada pelos pneus da
van que partiu apressada chegou e se misturou às suas lágrimas -- rompantes do
engasgo da frustração que lhe subiu aos olhos -- agora vertendo avermelhadas.
não foi fácil deixá-lo ir. não era o que ela queria. leve de menos,
desproporcional demais, torto o bastante. queria encrenca. essa felicidade
morna dos dias decorados de cor e salteado nunca estivera em seus planos.
quando ela viu, após algumas horas, a poeira de novo aumentando e o vulto se
aproximando, ainda pensou em uma chance, mínima. mas ele voltou, esticou a mão
e ela assinou, dessa vez sem reclamar. afinal, a pena, o papel, o tranco e o
trabuco convencem qualquer mulher a abandonar uma ilusãozinha besta.
virginia finzetto
quarta-feira, 9 de março de 2016
CRENÇAS
hoje o armário não quis fechar de jeito nenhum. a mínima
dose de coragem deixou uma fresta aberta e por ali vi o lote de crenças
penduradas. encarei parte delas, as mais usadas que, de tão usadas, viraram
hábitos [e aí eu entendi o provérbio 'o hábito faz o monge']. vi todas
acompanhadas de açoites e vendas, grandes formas usadas pelo capitão do mato
para destronar o rei. peguei uma delas, tirei-a do cabide e a deixei sobre a
mesa. como eu pude acreditar por tanto tempo a ponto de achar que bastava não
usá-la mais para eu me livrar de seu assédio? deixei que ela voltasse para o
armário, já destituída de seu domínio, para, assim, contaminar o lote inteiro
por meio de vasos comunicantes.
virginia finzetto
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