faz anos que não posso mais falar vou ali comprar cigarro. se eu quisesse, saía por aquela porta sem dar satisfação e ia me encontrar com Joca Ramiro lá no sertão das Gerais. sei que a galope vai minha alma, pelas páginas de escritas diversas, vez ou outra uma paradinha em alguma estação do tempo,ficar ali bebericando as lembranças. aí eu me lembro que tenho uma cozinha para limpar e que não carece nem fazer café, por causa de não consumir açúcar. depois eu volto pro meu ser, tão veredas, em árida rede.
sexta-feira, 5 de janeiro de 2018
terça-feira, 19 de dezembro de 2017
FELIZ ANO VELHO
Minhas idas ao centro são frequentes. Pego o Praça Ramos fora do horário de pico e vou sentada até o ponto da Xavier de Toledo. Quando eu desço do ônibus, outra viagem se apresenta. Dificilmente fico no presente assim que olho para o Teatro Municipal. Envolvida em reminiscências, pergunto-me como tamanha beleza ainda se conserva como baluarte da história paulistana a despeito de tantos estragos já promovidos ao seu redor, seja pela falta de consciência de programas políticos, que não levam em conta a preservação do nosso patrimônio, seja pela ausência de cidadania dos ignorantes, que deliberadamente depredam e emporcalham nossas ruas.
Sigo em caraminholas, enquanto atravesso o viaduto do Chá em direção à Praça do Patriarca. No vaivém da multidão, de repente, alguém segura meu braço com firmeza. Levo um tremendo susto, pensando em assalto…
Qual deveria ser minha reação diante do avanço da miséria e da violência que aumentou barbaridade? Mas olho melhor para ele: um idoso de expressão bondosa, olhos de íris opacas amareladas, sorrindo com dentes marcados pelo abuso do fumo, face envolta em longa barba alva, prestando muita atenção em mim.
— Bom dia, menina, você continua bela!
— Ãhn…?
Rapidamente, minha memória vasculha nos arquivos recônditos imagens da infância e da juventude tentando encontrar alguma que case com a da insólita figura. Para minha surpresa, certa que estou de se tratar de um desconhecido, e já me esquivando com ar de ofensa, ele me chama pelo meu nome completo na língua do pê!
Depois, gargalhando ao ver minha expressão de “cruz credo”, ele prossegue:
— Ei, Virginia Finzetto, sou eu… o Papai Noel! Não se lembra de mim?
Não faço a mínima ideia de como esse sujeito maluco descobriu meu nome. Isso só pode ter sido, para não fugir do espírito natalino, uma presepada de algum amigo que estaria por ali escondido e rindo da minha cara. Em seguida, o bom velhinho me solta e desaparece rapidinho na contramão.
Oh, céus! Só posso ter enlouquecido em meus delírios, penso.
Então, venho tornar público o caso, para que, quem sabe, possa chegar até ele, agora, todos os pedidos que armazenei desde a época em que passei a ser uma garota incrédula sobre sua real existência.
Diz a lenda que Papai Noel lê, além de cartinhas, o coração de todos os puros. Mesmo assim, resumo minha lista em apenas este desejo:
“Xô, 2017!
Dissolva e leve, com a mesma velocidade vertiginosa com a qual você aconteceu, todos os equívocos cometidos covardemente em nome de qualquer divindade.
Assinado:
Eu,
a que prefere apostar em sonhos realizáveis.”
— Feliz ano, velho!
virginia finzetto
crônica publicada na COLUNA PLURAL (scenariumplural.wordpress.com), em 19/11/2017
DILÚVIO
primeiro movimento
Há dias o sol não aparecia, e no ar um cheiro forte de
tempestade se aproximava. Em outras épocas ela não teria dado tanta importância ao fato bastante corriqueiro
na aldeia. Hoje, ambas, ela e aldeia, não eram as
mesmas. Uma aridez infinita havia invadido suas
terras, e o pouco que brotava, dando pequenos frutos, fora profanado, arrancado por quadrilhas de ladrões e legiões de vampiros que invadiam a região todos os
dias. E ainda aproveitavam e abusavam dela e
dos seus, sem piedade. Seu útero
era uma ferida aberta cuspindo tanto sangue, que ela perdeu a noção da
diferença entre o que era sequela da violência do que era sua menstruação. Lilith em dilúvio. Ela ainda ovulava.
segundo movimento
Acordara de madrugada banhada em suor e sangue, e sua temperatura teria
explodido um termômetro. Teria sido
febre ou delírio aquele sonho? Ou ambos? A infecção não cedia, e agora era impossível segurar também a
urina do medo, que arrebentava diques no meio da noite...
outrora
da grota que sangra
agora
brota lágrima
gota a
gota
de angra
.
.
.
Talvez por isso a cena de um dilúvio iminente, segundos antes
de acordar. Sonhou que havia uma nave imensa em seu
quarto, de proporções irreais. Do
alto uma voz lhe dizia que poupasse apenas as suas partes, pares e ímpares,
abrindo mão de vizinhos adormecidos em distrações e promiscuidades e de qualquer
bandido declarado, isento ou não de paixões. Ela entrou, mas ainda não havia acordado.
terceiro movimento
Aquela voz, cuja imagem não era visível, ordenou que se lacrasse a
nave por fora, e ela permaneceu em seu interior. A princípio claustrofóbica, pôs-se a gritar e a se debater entre
suas próprias duras e resistentes paredes corporais, enquanto apenas os seus,
que a ouviam, não podiam ajudá-la, pois entregues ao comando do alto estavam aceitando ficar trancafiados
juntos, em total silêncio e vigília.
quarto movimento
Aos poucos, calma e aceitação vieram acudi-la, ao mesmo tempo em
que o barulho do estrondo do dilúvio externo quase lhe arrebentou os tímpanos. A força de todas as águas que caíam trincaram
suas defesas naturais e ela se prostrou de joelhos, em oração, enquanto tudo
que ficara do lado de fora ia sendo liquidado com a língua de raio de uma
justiça que até então ela desconhecia. Coisas que jamais voltaria a encontrar. Choveu quarenta dias e quarenta noites sem
parar.
quinto movimento
Ela pressentiu quando a nave se elevou com as águas, e nenhum
dano lhe atingiu. A turbulência exterior contrastava com o acomodamento interior de seu corpo. O sangue e a urina haviam se estancado,
agora em reconciliação. Mas ainda
não podia tocar todas as suas outras partes, em suspensão, que aguardavam sua
própria hora. Alisava freneticamente seu monte de Vênus, na
intenção de tirar os vestígios de toda invasão a que fora submetida até então. Lá fora já
não havia cumes.
sexto
movimento
Ela ainda não acordara
quando a porta da nave se abriu. Em silêncio soube de súbito que a
única maneira de não sentir mais nenhuma dor emocional era deixar que ela
doesse até que ela mesma a levasse à origem, única, de todas as outras dores,
cuja resposta sempre esteve dentro de si mesma. Há
urgência no encontro do amor verdadeiro, porque atravessar tudo isso, de mãos
dadas, é a mais produtiva das parcerias. ...deus gosta!
sétimo
movimento
E quando toda água diluviana baixou em
segurança, a voz pediu que ela abrisse os olhos, pois haveria de ser por essas
janelas que entraria a luz da revelação, conforme a promessa que ouviu:
muitas vezes, e tantas vezes,
quão indivisíveis e indizíveis
são meus amores
como arco-íris, eles se escondem nos céus,
e aparecem aos incrédulos, vez ou outra,
em sete cores
E ela renasceu em segurança e em total comunhão com o que
sempre lhe pertencera.
por virginia finzetto
Meu conto na coletânea COLETIVO, publicado pela Scenarium Livros Artesanais, em 2017.
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
DOS MEDOS
pior do que o contato com o subterrâneo é ficar alojado nas reentrâncias da parede do precipício. sem poder subir nem descer, acobertado pela covardia, em profundo esquecimento, perde-se o diálogo principal do script. ao final, quando a paralisia das limitações físicas chegam, as asas já não batem por falta de treino. aguarda-se então a vinda da morte vagando-se em distrações. só a misericórdia entende e acolhe o cadastro de futuras tentativas, mas de novo aparece o medo, antigo esconderijo de proteção das feras, que acaba se tornando ele mesmo o imbatível bicho-papão.
virginia finzetto
sábado, 25 de novembro de 2017
O QUE OS OLHOS COMUNS NÃO VEEM
ah, o amor,
essa mina de ouro,
guia sua paixão
a procurar diamante
até em garimpo
abandonado
confia que ali
sob escombros
escondido
vive um tesouro
querendo
ser encontrado
essa mina de ouro,
guia sua paixão
a procurar diamante
até em garimpo
abandonado
confia que ali
sob escombros
escondido
vive um tesouro
querendo
ser encontrado
virginia finzetto
O FACE NÃO ME DEIXAR POSTAR
será que fui BLOQUIFREIDIADA? não consigo postar escrevendo direto no meu mural.
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
LINGUAGEM
eu tenho um caderno repleto de poemas invisíveis. em cada folha, vejo um lápis hesitante e um verso abortado. códigos dos anjos votivos da boca calada. dizem eles que meu silêncio é o fermento necessário para o florescer das ideias luminosas. sem nenhuma previsão, descrevo saudades antigas, como essa que trago dos Beatles quando mataram Paul McCartney e eu acreditei. depois assassinaram o Lennon de verdade, Imagine! George, arre!Sun mil também. agora, só Ringo Starr.
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